* Por Dr. Marcelo Demarzo
São muitos os aprendizados que podemos extrair do estudo conduzido pela Universidade de Oxford, com cerca de 8.500 adolescentes, com idades entre 11 e 13 anos, em escolas do Reino Unido.
A Universidade de Oxford divulgou recentemente os resultados do estudo “Treinamento de atenção plena para estudantes no início da adolescência dentro da escola: o que funciona, para quem e como, no projeto MYRIAD” (“School-based mindfulness training in early adolescence: what works, for whom and how in the MYRIAD trial”), no qual analisou o impacto de um treinamento em Mindfulness para 8.376 estudantes, com idades entre 11 e 13 anos, de 84 escolas secundárias no Reino Unido.
Na pesquisa, o treinamento em Mindfulness foi ofertado aos adolescentes pelos próprios professores, que receberam formação para aplicar o protocolo intitulado “SBMT” (School-Based Mindfulness Training), que foi inspirado no mundialmente reconhecido programa de mindfulness “MBCT” (Mindfulness-based Cognitive Therapy). As práticas e conteúdos psicoeducativos do SBMT são desenhados para atenderem às características e à linguagem própria de estudantes no início da adolescência.
O estudo científico, realizado por meio de um rigoroso ensaio controlado e randomizado por “clusters” (agrupamentos por escolas), avaliou o impacto das intervenções para a saúde mental dos estudantes adolescentes, comparando os efeitos do protocolo de mindfulness (SBMT) em relação ao ensino padrão de competências socioemocionais, o qual já vinha sendo utilizado nas escolas secundárias do Reino Unido.
Nesse contexto, foram avaliados e monitorados o risco para a depressão, as competências socioemocionais e o bem-estar dos estudantes. As medidas dessas variáveis ocorreram na linha de base (antes do início do estudo), logo após as intervenções, e também um ano após o fim das intervenções, nesse caso como medida de acompanhamento (follow-up). Como medidas secundárias, também se avaliou o impacto do treinamento para a saúde mental dos professores envolvidos, e para o “clima escolar”, ou seja, para a qualidade das relações interpessoais dentro da sala de aula entre professores e estudantes.
A análise final dos dados mostrou que o treinamento da atenção plena dentro das escolas (ofertado por meio do protocolo SBMT pelos próprios professores), quando comparado com o treinamento padrão de habilidades socioemocionais, estatisticamente não melhorou a saúde mental dos adolescentes; e, inclusive, pode ter tido resultados negativos para alunos com transtornos pré-existentes de saúde mental (sendo que nesse caso as diferenças foram pequenas e não estatisticamente relevantes em relação ao treinamento padrão).
Por outro lado, o estudo demonstrou que houve estatisticamente uma melhora dos sintomas de Burnout (esgotamento profissional relacionado ao estresse) nos professores envolvidos no estudo (em especial, logo após a intervenção de mindfulness), como também um incremento positivo e significativo no “clima escolar” (qualidade das relações dentro da sala de aula), o qual se manteve mesmo um ano após o fim da intervenção de mindfulness.
Podemos tirar grandes aprendizados a partir dos resultados desse amplo estudo de implementação de mindfulness para adolescentes dentro das escolas do Reino Unido. A primeira e mais importante é que, como já sabemos, Mindfulness é uma ferramenta importante para a promoção da saúde e bem-estar, mas não é uma panaceia que resolverá todos os problemas de saúde dos indivíduos; devendo sempre ser indicado com sabedoria e com base nos conhecimentos científicos existentes.
Outro ponto fundamental, ressaltado pelos autores do estudo em suas conclusões, é que o treinamento de Mindfulness dentro das escolas requer uma equipe de instrutores (professores) comprometida e bem treinada. Os autores refletiram sobre o fato de que na pesquisa, os professores que ofertaram o protocolo SBMT passaram por uma formação com duração de apenas quatro dias, o que provavelmente foi um tempo insuficiente para que eles pudessem criar as competências mínimas necessárias para lidar com o desafio de ensinar mindfulness para um grupo tão complexo como o de adolescentes, em especial aqueles com maior vulnerabilidade em termos de saúde mental.
Nesse sentido, uma análise mais aprofundada dos resultados da pesquisa, mostrou que os professores que já tinham mais conhecimentos e uma prática prévia mais consolidada de mindfulness obtiveram melhores resultados junto a seus alunos.
Além disso, os estudos científicos anteriores sobre Mindfulness já apontavam que a prática regular de atenção plena, independente da faixa etária, não deve ser indicada de maneira irrestrita, pois se deve ter um cuidado especial com pessoas com doenças ou transtornos pré-existentes, ou que estejam em fase aguda e muito sintomática de transtornos mentais. Esse fato reforça a importância de uma análise detalhada das condições de saúde dos participantes antes do início de qualquer treinamento em mindfulness.
Outro ponto destacado pelos pesquisadores, foi a lembrança de que os potenciais benefícios de Mindfulness vêm da prática regular de médio e longo prazo. Ao olharem para os detalhes dos dados do estudo, os autores observaram que uma possível explicação para a ausência de impacto para a saúde mental dos adolescentes, é que menos de 20% deles realizaram a prática de mindfulness de maneira regular fora das sessões (em casa, por exemplo), minimizando o potencial benefício do treinamento.
Esses dados também reforçam a importância de futuras pesquisas se debruçarem sobre aspectos que possam melhorar a adesão às práticas de mindfulness no cotidiano, ou seja, sobre como ajudar as pessoas a incorporarem a prática regular de mindfulness em seu dia a dia de forma sustentável.
Por fim, esse estudo e outros anteriores nos alertam para a importância da implementação de mindfulness dentro das escolas ocorrer de maneira voluntária e incremental, sem acelerar desnecessariamente o processo. Sugere-se que no início, o desenvolvimento de programas deste tipo se foque nos professores que voluntariamente queiram aderir (aqueles mais motivados), expandindo depois paulatinamente a outros colaboradores, num processo do tipo “bola de neve” (as pessoas que sentem os benefícios “contaminam” positivamente outras pessoas, que se interessam em aderir ao processo ao logo do tempo). Assim, garantimos que a implementação ocorra de maneira adequada e sustentável, promovendo todos os potenciais benefícios da prática regular de mindfulness no ambiente escolar.
Para conferir o artigo “Treinamento de atenção plena para estudantes no início da adolescência dentro da escola: o que funciona, para quem e como, no projeto MYRIAD”, clique aqui.
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